Era meio canto de noite, madrugada fria, sem ter-que-fazer, não fedia nem cheirava, não dormia nem levantava. Mas tava lá. Resolvi ir até o banheiro. Não sem antes dar uma olhadela de rabo-de-olho pela janela do quarto.
Acabei dando mais que uma simples olhadela.
Eram os aerólitos. Eu nunca tinha visto antes. Ouvi falar no jornal que ia dar, mas nem prestei muita atenção na hora. Mas né, já que tava em pé mesmo, sem sono de tudo, resolvi me debruçar na janela e ficar lá, à toa, olhando, como quem assiste a um realismo fantástico.
Aqueles pedaços de pedras espaciais cortavam o céu como se fossem atravessar o chão. Caíam, caíam, nem rápido, nem devagar. Só caíam, tombando da obscuridade sideral das galáxias sem fim até tocar o céu, o mar, a terra.
Comecei a maquinar umas idéias de querer ir para o espaço. Queria ser como Neil Armstrong, dar o tal "passo gigantesco para a humanidade", pra ver de perto, pertinho, de camarote, esse espetáculo dos aerólitos. De onde será que vinham? Será que traziam presentes dos céus, pedras preciosas, ou a cura de todos os males? Será que traziam segredos ocultos ao coração do homem?
Como toda a sua graciosa aerodinâmica, rasgavam o céu numa delicadeza inexplicável, numa intangibilidade impressionante. E caíam. E aterrisavam. E morriam no solo, virando pedregulhos comuns. E foi aí que me botei a pensar na vida, como se pescasse no ar idéias loucas.
E a vida é mesmo assim: todos a atravessamos, mas nos juntamos ao pó e ao solo ao fim dessa travessia. Entretanto, poucos se fazem notáveis como os aerólitos, perdendo a capacidade de brilhar e iluminar a escuridão que os envolve, e a oportunidade de fazer a diferença, mesmo não sendo grandes astros celestes. Talvez por medo de voar, ou de se estraçalharem pelo caminho, ou de serem ofuscados pelas estrelas, que dominam o céu há mais tempo. E a covardia os impede de encher os olhos de pessoas que não têm nada de bonito para ver, ou de trazer alguma beleza para a rotina celeste.
Isso me levou a querer ser como os aerólitos, que transformam o céu por onde passam, sem medo de voar, sem pensar na colisão que finda suas siderais jornadas. Eles apenas prosseguem para o alvo, deslizando pelos ares e marcando algo novo e diferente na vida das pessoas, coisa que nós, terráqueos, tardamos a aprender (ou nunca aprendemos).
Voltei para a cama. Os aerólitos já me deram inspiração suficiente para voltar a sonhar e começar um novo dia.