segunda-feira, 10 de maio de 2010

A mulher certa

Já era casado, tinha uma filha, um emprego, uma vida tranquila. Tinha mais de quarenta, não muitos planos para o futuro. Queria ficar sossegado, já havia se conformado que não era mais tempo de emoções juvenis, corações batendo, mãos suando, segredos e arrepios.

Afinal, ela também havia se casado.

Se viram tão pouco depois da formatura. Foi aquela coisa de "cada um para um lado". Se conheceram na faculdade - ele gostava dela, ela gostava dele, e acabaram juntos. Se envolveram mais do que gostariam. Se impregnaram um do outro, trocaram alianças de papel no fim de uma festa. Se entregaram, se apaixonaram, se disseram verdades absolutas e irrevogáveis.

Mas ele deixou algumas coisas ficarem no caminho. O dito pelo não-dito, o feito pelo malfeito, o mal-entendido, o sem-querer e o de-propósito, as desfeitas, as cenas de ciúme, as brigas, as lágrimas e tudo o que ele fazia tão ao contrário. Talvez porque pensasse que machucá-la daquele jeito a fizesse sentir-se viva. Ou porque tivesse descoberto que ainda era um garoto, e que ainda não estava pronto para a mulher certa.

Como se estivéssemos, em algum momento ou de alguma forma, prontos para o amor.

E acabou que, no fim, o fim chegou, tão magoado e tão doído, que não teve beijo de despedida no fim da festa de formatura. E ela pegou um avião para a Espanha; ele foi para São Paulo dar um jeito na vida de recém-formado.

Mas, cada um no seu avião, cada um com sua dor, choraram.

Cinco anos se passaram. Ele, na São Paulo de sempre, parecia estar bem no trabalho. Às vezes, sentia falta dos amigos da faculdade. E ela, claro, estava eternamente ali, num canto da memória, doendo feito o diabo no peito.

Até que, um belo dia, a memória passou, em carne e osso, diante dos seus olhos.

Era a Daniela mais linda, mais mulher e mais sedutora que ele já havia conhecido. Mas o sorriso faceiro e os grandes olhos azuis da Daniela-menina da faculdade ainda estavam lá, por trás dos cabelos enormes que, de pretos, passaram a ruivos. Ainda tinha aquela cicatriz charmosa na sobrancelha. Era a mesma Daniela, a sua Daniela, a mulher certa, a única que seria capaz de amar e que ainda o fazia perder a cabeça.

A sua Daniela barriguda. E, nessa fração de segundo em que a contemplou sozinha no saguão, apareceu um homem, que a tomou pela mão e a beijou.

Ela estava grávida. E casada. E feliz. E completa. E realizada. E apaixonada.

E, mais do que nunca, sentiu a dor aguda no peito. Ele a havia perdido para sempre, e a culpa era dele. Ela fora a mulher certa desde o começo, enquanto ele fora apenas o cara errado e imaturo e egoísta. E, agora que ele havia se tornado um homem, já era tarde.

Ele seguiu sua vida tranquila. Casou-se, teve uma filha...

Mas aquele vazio no peito, aquele amor mal-resolvido, aquele arrependimento insuportável, aquilo ele nunca esqueceu. Ela permanecia fato consumado em seu peito, enquanto ele era, para ela, apenas um borrão num retrato antigo, apenas uma marca apagada de beijo, apenas uma lembrança bonita, mas que já não fazia o menor sentido.

4 comentários:

Mandy disse...

aie, essa doeu!
lindo o texto Luly, perfeito!

bjs.

Vicky Doretto disse...

Isso me faz lembrar de "não deixe as coisas pasarem..."
Muito bom o texto, flor

bjão =^.^=

Thamy disse...

eu sinto que talvez essa história aconteça comigo.

Carol Bortolo disse...

"É desconcertante rever um grande amor", dizem. Dizem e acontece, sempre e cada vez mais. Sempre e quando a gente menos espera ou se sente preparado para encarar. Preparados nunca estaremos, porque os amores do passado nunca passam pra sempre.
Sempre penso nisso, sempre sinto isso, e ler seu texto apertou meu peito mais uma vez. Agora já era...