sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Verde valente

E meu lar era em meu corpo e braços abertos.

Sou velha, porém, sábia. Um século em imbatível existência. A ver castelos serem erguidos e derribados. A ver nuvens irem e virem todos os dias. A ver o sol se por, a ver o sol nascer, a ver a lua vir e desaparecer. A ver irmãos a brincar, pendurados em meus braços, em balanços, a ver o rio que corre sob meus pés descalços, a ver gente a se banhar nua. E os casais apaixonados aos meus pés, entregando-se ao amor, tatuando minha pele com amores impossíveis.

Fui mãe e fecunda esposa em fértil solo juvenil. Não conheci meus filhos, pois entreguei-os ao sabor do vento e da sorte - voaram pelas terras, a dar frutos e levar vida aos campos. Cresci, espichei pelo mundo. Queria tocar o céu. Mas amadureci e endureci, sabendo que nós, mortais, temos o tamanho que devemos ter. E o tempo tornou-me gigante, o que foi mais do que suficiente.

Até hoje o medo me toma, às vezes. O medo da lâmina, da ferida, do tombo. Medo de partir e não poder mais dar abrigo e sombra aos que um dia precisarão de mim, como tantos outros. Já passei por tantos outonos e invernos. Já fui feia e careca, mas tudo passa. E estou preparada para o que vier. Mas temo, por mim e pelos outros. Já mataram meus irmãos, e sou já avançada em idade. Nunca se sabe. Costumam ser ingratos com meu povo.

Mesmo assim, estendo meus braços, e deixo os outros mortais tecerem ninhos, teias, balanços, redes, casinhas, colmeias, corações, ilusões, alegrias, brincadeiras.


Sou ainda mãe e amiga. E assim me faço imortal. Até que eu seja interrompida, tombada, consumida pela terra e, finalmente, esquecida.

Ouvindo: Courtyard lullaby - Loreena McKennit

2 comentários:

M disse...

q lindo! :_)

J. disse...

Sem palavras, amei de mais.
bjbj
J.