sábado, 1 de novembro de 2008

Obsessão

Chegou quebrando tudo, berrando, chutando porta e se descabelando, o rosto vermelho de cólera, a cabeça pesada, a garganta rouca de tanto gritar. Um nó. Uma lágrima doída se equilibra na pálpebra. À beira do abismo.

Enfim, jogou-se no sofá. Não adiantava chorar, não mesmo. Ninguém tinha culpa; nem ela, nem ele. Nem os outros. Nem os vizinhos tinham que agüentar (sim, com trema, porque a gramática brasileira ainda não mudou) aquele showzinho particular, nem as toneladas de discussões, nem os beijos desesperados ao final de cada uma delas. Milhares de vezes, milhares, já tinha representado aquela cena. Que papel! Porque vida real não é só romance. Tá mais pra drama trash, no caso dela. Ah, Adélia, por quê você não encara os fatos? Fica aí, chorando, se lamentando, chafurdando nessa lama, conformada, esfolada, molhando a blusa na pia, esperando por alguém que nunca vem?

Resignação. Nunca fez o que teve vontade. Vontade? (gargalhada) A vontade dela era a dele. Só a dele! Só! Decisão própria? Personalidade? Não. Adélia não tinha nada disso, não. Pelo menos desde que ele apareceu. E desapareceu. E apareceu de novo, e desaparecia quando queria. Não quando ela queria. Deixou de ser mulher, humana e profissional. Deixou sonhos e metas, e viagens. Só queria se casar, e logo, e com ele. Esperou por um anel, que nunca veio. Não para ela. E isso foi a gota da lágrima.

E ele? Ah, ele! Não era nenhum galã, nem tinha um sorriso arrebatador. Mas se achava o homem da vida dela. E de todas as outras. E ainda havia quem desse trela. Ela, por exemplo. Talvez só ela. Ele? A seduzia, a entorpecia, a esvanecia. Uma rosa, um beijo, mil promessas. E ela olhava no relógio, e acordava debruçada sobre a mesa da cozinha. Um jantar sem convidado. E ela insistia em lhe dar seu coração de bandeja.

Viveria? Talvez. Talvez agora, que caiu da cama e acordou do sonho. Vida? Que vida? Que vida! Qual o quê! Curtir fossa, como uma adolescente? Se lhe sobrasse um pouco de nervos, ainda viveria para contar a história. Para aprender. Para levar a lição. E para, finalmente, fazer nascer um pouco de amor-próprio e juízo naquele coração devastado. Paixão, daquelas que arrancam pedaço. Agora já era tarde, mas e daí? Foi-se ele, sobra-se ela. Ou o que sobrou dela. Talvez renascesse, pintasse o cabelo de vermelho, voltasse a se depilar.

Mas voltou à pia e à louça suja. Uma olhadela no espelho. Fração de segundo, e lá estava ela, na varanda, esperando ele voltar, pra nunca mais. Nunca mais. Certa gente nunca aprende.

4 comentários:

Marcus Alencar disse...

Nossa, ao ler seu texto fico imaginando quantas Adélias e Amélias ainda existem, até a novela retrata isso, de forma sensacionalista, infelizmente, mas retrata. Voltando, é duro ver como o amor nos cega e alguns casos parece que adoece a percepção como se olhos se tornasse momentaneamente incapazes de enxergar o que acontece ao redor ou até mesmo no espelho.

beijos e parabéns pelo conto

LADY D. A. disse...

bom nao conheço gurias assim
mas conheço caras desesperados q digamos sao o cachorrinho das gurias

agnt sempre q qr q eles se levantem e deixem a guria d mao mais isso num aocntece

Dani Vieira disse...

Adorei seu blog.
Estou ainda no ensino fundamental e vejo textos deploráveis, dá vontade de chorar até.
Mas fico feliz de saber que há pessoas como você que resgatam a alma dos textos daquele inferno banal...

Conheci seu blog pelo blog do Pedro.

Eu vi o Blog Roses and Gentlemans, muito legal. Vocês possuem uma criatividade surreal!

Vou te linkar,

beijos

Sam disse...

E pensar que são tantas as mulheres que se sujeitam a esta humilhação só para terem a ilusão de serem correspondidas em seus sentimentos :(

Valeu por me adicionar no orkut ^^^

beijos